
No dia 14/10, foi publicado novo artigo oriundo da pesquisa EMVA (Estudo Marxista de Valores Adicionados) (MORAES; AZEVEDO, 2024), que pode ser acessado pelo link: https://doi.org/10.13133/2037-3643/18316. Nele, diferentemente de Moraes & Azevedo (2022), duplicamos o tamanho da amostra (de 24 para 48 empresas) e ampliamos a análise até o ano de 2022. No entanto, ainda que tenha mudado os números, o sentido e a dinâmica das tendências observadas anteriormente permaneceu o mesmo.
De maneira geral, a taxa média de lucro da amostra de empresas caiu de 2010 a 2015, recuperou-se a partir de 2016, mas se observa queda novamente entre 2018-2020, recuperação acelerada entre 2020-2021 e outra queda entre 2021-2022. Vale notar que o comportamento da taxa média de lucro da amostra de empresas é praticamente espelhado ao da taxa média de mais-valia no período como um todo. O gráfico abaixo representa o movimento de ambas as séries até 2022.

Considerando o entendimento adotado na pesquisa, de que, o procedimento de transformação de valores em preços de produção é uma forma de operacionalizar a mediação entre o todo (capital social total) e a parte (capital individual), desenvolvida por Marx n’O Capital, Livro III, capítulos 8-10, então a totalidade da economia brasileira pode ser capturada por meio de um conjunto de informações contábeis provenientes das principais empresas operando no país. Nesse sentido, o cotejo com pesquisas marxistas que se fundamentam a partir das Contas Nacionais robustece a capacidade de se formular diagnósticos e proposições sobre a economia brasileira a partir de uma análise crítica da produção social.
É notório no gráfico anterior que há uma tendência de queda da taxa média de mais-valia da amostra de empresas, algo que repercutiu sobre a taxa média de lucro das mesmas. Em particular, nota-se o subperíodo entre 2013-2015 como o de queda mais pronunciada em ambas as séries. Também foi o período de acirramento da crise política brasileira que desembocou no processo de impedimento do mandato da então presidente Dilma Rousseff, que se desenrolou entre dezembro de 2015 e agosto de 2016.
Com a mudança no comando político da economia brasileira, nota-se reversão na trajetória das taxas médias de lucro e de mais-valia. De 2015 a 2018 mostram grande recuperação, alcançando os níveis de 2010-2011. Apesar das significativas quedas observadas entre 2018-2020 e 2021-2022, a tendência geral ao longo de todo o período analisado foi de recuperação desde 2016 em níveis acima dos observados em 2010.
No artigo, elaboramos duas ordens de explicações para isso. Em primeiro lugar, como demonstraram, por exemplo, Marquetti & Hoff & Miebach (2020), entre 2011-2014 houve um crescimento dos salários reais acima da produtividade do trabalho, o que parece ter acarretado uma compressão dos lucros nesse subperíodo. Pode-se também inferir que o progresso técnico não se propagou de maneira homogênea entre os ramos da produção social brasileira. Deve-se considerar também o impacto das Reformas Trabalhista de 2017 e da Previdência de 2019 no aumento da taxa média de mais-valia. Em segundo lugar, deve-se considerar os efeitos econômicos da Operação Lava-Jato de março de 2014 a fevereiro de 2021 (BORGES, 14/07/2018), entre os quais está a destruição de capital oriunda da política de desinvestimentos da Petrobras entre 2015 e 2022 estimado em cerca de R$ 280 bilhões1. Também parece ter sido relevante o impacto das tragédias de Brumadinho e Mariana sobre as decisões de investimento da Vale S.A., que junto com a Petrobras correspondem às maiores empresas em termos de mobilização de valores para investimentos industriais na economia brasileira (LOURAL, 2016, p. 82-96).
Isto é, por um lado, a variação na taxa média de mais-valia oriunda de uma compressão dos lucros, seja devido ao acirramento do conflito distributivo, seja devido à incapacidade de reverter o processo de desindustrialização da economia brasileira, o que aprofunda a heterogeneidade estrutural da produção social brasileira. Por outro, a destruição de capital constante expressada no recuo dos investimentos industriais das empresas Petrobras e Vale S.A. Sobre a segunda ordem de explicação, o gráfico abaixo mostra o comportamento da composição orgânica do capital (c/v) da amostra de empresas ao longo do período.

Por meio da tradução das rubricas contábeis das principais empresas da economia brasileira para a teoria econômica de Marx, pode-se perceber que o departamento de produção de meios de produção (D-I) é o centro dinâmico da economia brasileira. Em sua análise do processo de industrialização no Brasil, Maria da Conceição Tavares ([1978] 1998) destacou o papel preponderante do gasto público coordenado nos departamentos da economia, notadamente por meio de programas de investimento das grandes empresas públicas industriais, para a manutenção de um determinado ritmo da atividade econômica no país.
Com base na análise da economia brasileira revelada pela pesquisa EMVA, uma orientação de política econômica alternativa à implementada ao longo do período diz respeito ao que chamamos de um maior controle social sobre o D-I. Trata-se de uma política econômica que encontra respaldo na realidade contemporânea, como se pode notar pelo estudo O Futuro é Público, do Transnational Institute (TNI), que calcula, entre 2000 e 2020, 1.235 municipalizações e nacionalizações de empresas fornecedoras de serviços estratégicos, como água e energia, em um conjunto de 11 países (Canadá, França, Alemanha, Noruega, Espanha, Reino Unido, Chile, Dinamarca, Malásia, Filipinas, EUA)2. Mais recentemente, o Senado mexicano aprovou uma reforma energética que propõe devolver ao comando do Estado a produção de energia do país sob a condição dos serviços não estarem sujeitos à especulação e ao predomínio dos interesses privados no setor3.
Percebe-se, portanto, a importância e a atualidade do controle social da produção de meios de produção como horizonte para a ação econômica estatal, inclusive no intuito de fomentar o debate sobre as formas de governança mais adequadas para tal.
REFERÊNCIAS
Borges, B. Como a Lava-Jato afetou o PIB? Novas evidências para o debate.
2018. Disponível em: https://blogdoibre.fgv.br/posts/como-lava-jato-afetou-o-pib-novas-evidencias-para-o-debate
Loural, M. Investimentos industriais no Brasil: uma análise setorial do período 1999–2013. Tese (Doutorado) — IE/Unicamp, 2016.
Segura Moraes, L., & de Azevedo, R. (2024). On Marx and accounting: An empirical study of the transformation of values into prices of production in the Brazilian contemporary economy, 2010-2022. PSL Quarterly Review, 77(310): https://doi.org/10.13133/2037-3643/18316
Segura Moraes, L., & de Azevedo, R. (2023). Notas para um estudo marxista dos valores adicionados na economia brasileira contemporânea (2010-2021). Nexos Econômicos, 16(1): https://doi.org/10.9771/rene.v16i1.55823
Tavares, M. da C. Ciclo e crise: o movimento recente da industrialização brasileira. IE/Unicamp, Col. “30 Anos de Economia”, n. 8, 1998
- Ver https://www.infomoney.com.br/mercados/desinvestimentos-da-petrobras-petr4-somam-r-2804-bilhoes-ate-julho-aponta-osp/ ↩︎
- Ver O Futuro é Público | Transnational Institute (tni.org) ↩︎
- Ver Senado do México aprova reforma para devolver setor energético ao controle do Estado – Opera Mundi (uol.com.br) ↩︎